Um dia como sempre que nunca mais será o mesmo. Um dia como nunca. Uma noite. Vi a tua sombra crescer pela parede
dentro, até que os meus olhos ficaram parede. Caí, mas como parede fiquei em
pé. Aí vi as máquinas de escrever. Faziam todas o mesmo som. Cresciam e não
mais desistiam de ser máquinas e de ter som.
Passaram uns tempos e dei uma
espreitadela nos telescópios e nos microscópios, o que está tão longe e o que
está demasiado perto para ver. As distâncias sempre me intrigaram, mas nunca
lhes senti o toque. Ficavam tempos a olhar, admiravam as belezas do inesperado
e do desconhecido. Depois, pareciam chegar a algo, único, antes de perceber que
o melhor era dedicar a vida à teoria. E escreviam na máquina de escrever, sons
todos iguais, mas estes pensavam ser diferentes.
Assim cheguei ao pensamento. Ele
olhava para mim com cara de caso. O caso da parede. Humm, murmurava. O seu som
parecia incontrolável, incomparável, poderoso. Mas depois falava-me de solidez,
e eu estava nem aí. Sólido sabia ser eu, parede de betão como dizia o senhor
engenheiro, aquele que me criou. Nunca soube muito sobre ele. Estava cá antes
da minha génese e quando tinha idade de criança disseram-lhe para ler um livro.
Nunca se esqueceu da mensagem, mas foi pregar para outras terras no dia em que
me ia contar tudo, fiquei sem saber.
Por aqui cheguei à parede. Por
não saber nada, ou por saber demasiado. Simplesmente, a noite cai. De dia há a
claridade e à noite vemos tudo.
(o céu está sempre limpo por cima das nuvens!)
(o céu está sempre limpo por cima das nuvens!)
Gostava de dizer algo que tu
também já sabes. A parede sou eu e também és tu. Fica o nosso pequeno segredo.
(à lei do espaço, à lei do tempo, à lei do momento)
- E o que aconteceu à parede,
Orlando?
- Um dia deixei de lutar, aproximei-me
dela e dei-lhe um abraço. Com as minha mãos percebi que ela podia ter a forma
que eu quisesse.